ENTREVISTA COM MARCOS SISCAR POR IGOR GOMES
I.G. – Os poetas que compõem “26 poetas hoje” são (eram), em sua
maioria, vinculados ao que se conhece por “poesia marginal”. Entendo que, de
alguma forma, existe uma utopia nesse movimento: a busca por uma estética e
“marketing” fora do âmbito das grandes editoras, das grandes influências –
buscava uma identidade mais próxima da fala cotidiana e do leitor. Na sua
opinião, qual a influência dessa antologia para o entendimento da “poesia
marginal”?
M.S. – Historicamente, a antologia à qual você se
refere é justamente aquela que ajuda a estabelecer a ideia de geração, ou de
grupo. Se há um “marketing” da poesia marginal, ele vem inicialmente da
disposição de uma antologista em reunir esses poetas e tratá-los como conjunto
coerente. A ideia de conjunto pode ser objeto de discussão, mas o efeito
histórico da antologia é inegável.
De resto, o prefácio da antologia refere-se
justamente ao perigo do marketing que, à época, respondia pelo nome de “moda”.
Eu diria que a atitude dessa geração é a de se afastar do marketing
institucional, o que não quer dizer que não se buscasse a circulação dos
trabalhos. Tratava-se de imaginar uma circulação mais orgânica, que chegasse às
pessoas diretamente, que estabelecesse uma relação direta com o público, que
fosse de certo modo formadora de público, sem a necessidade de obedecer aos
formatos e aos espaços prescritos para a literatura da época. Há algo de
ingênuo aí, mas a disposição crítica é muito apreciável, tendo em vista o
“bloqueio sistemático das editoras” ao qual se refere o prefácio. A ideia de
que circulação e marketing coincidem é uma triste característica da nossa
época.
I.G. – Grandes poetas, como Drummond ou João Cabral, nos levam a uma
“angústia de influência”, para usar um termo de H. Bloom. Se tornam problemas
para seus sucessores não tanto pela estatura, mas pelas “bifurcações poéticas”
que impõem a seus herdeiros, como você diz em “De volta ao fim”. A poesia
expressa em “26 poetas hoje” não ocupa o mesmo lugar de Cabral ou Drummond ou
Bandeira, o de clássico inquestionável. Mas ela lançou problemas às gerações
seguintes?
M.S. – Sim, acho que são situações bem diferentes.
Na antologia da década de 1970, há autores que se tornaram importantes e influentes,
mas que ainda não ocupam lugar comparável ao de Drummond e Cabral no imaginário
poético brasileiro. Aliás, é preciso lembrar que o próprio valor literário
dessa geração foi objeto de discussões bastante polêmicas. Basta ver, entre
outras, a diferença de avaliação que fizeram dela críticos como Heloísa Buarque
de Hollanda e Iumna Simon.
Por outro lado, a circulação que poetas como Ana
Cristina Cesar, Roberto Piva ou Francisco Alvim têm hoje dia não se vincula
necessariamente, ou preferencialmente, à ideia de geração. São obras muito
diferentes umas das outras e que perdem muito com essa circunscrição.
Voltar a falar de “poesia marginal”, hoje, talvez
fizesse sentido se pudéssemos, ao historicizar a “utopia”, entender de modo
mais exigente o nosso próprio tempo. Muitos daqueles poetas tinham uma relação
muito crítica com o seu presente. Poderíamos, então, nos perguntar que tipo de
relação os poetas têm hoje com as instituições, com as mídias, com o
“marketing”? Que tipo de relação com o leitor a poesia de hoje vem buscando? A
quem procura se destinar a poesia contemporânea?
I.G. – Dado o atual contexto político, me parece que 26 poetas hoje
continua atual por trazer elementos políticos fortes (por exemplo, a poesia de
Roberto Piva ou Chacal). Na sua opinião, qual o papel político (se é que
existe, para você) de uma antologia poética? Ele muda, na sua concepção, ao
longo do tempo?
M.S. – Uma antologia é “política”, especificamente,
no sentido de que faz “política literária”. É um recorte, que procura dar
sentido ao contemporâneo. Por isso também é uma forma de crítica.
Claro, ela pode ser “política” em outro sentido, ao
reunir autores que se notabilizam pela resistência a determinados padrões
culturais e mercadológicos, autores por assim dizer “marginais”. Mas a própria
ideia nomeada pela palavra “marginal” pode ter sentidos muito diferentes e
mesmo contrastantes em épocas diferentes, como vem acontecendo entre nós.
I.G. – Em seu livro “De volta ao fim”, você lembra que hoje o
entendimento da poesia contemporânea brasileira passa pela ideia de
pluralidade. Você cita a segunda antologia (a dos anos 1990) organizada por
Heloísa Buarque como um dos reforços a essa ideia – que veio a lume nos anos
1980 em ensaio de Haroldo de Campos. “26 poetas hoje” é anterior a essas ideias
(é de 1976). Mas é possível encaixá-la dentro desse olhar “plural”? Se sim,
como?: é uma relação presente/passado ou essa poesia continua fortemente
presente?
M.S. – Há quem discorde disso, mas acho que a
antologia 26 poetas hoje corresponde a outra “época” do discurso sobre
poesia no Brasil. Até por isso, o que ela tem de historicamente mais relevante
é a ideia de grupo, de geração. Aquilo que tenho chamado de “paradigma da
pluralidade” define-se justamente como dissolução desse caráter ou desse desejo
de coletividade na criação. Isso se vê claramente na pulverização da proposta
de grupo, gerando não apenas a ideia do projeto criativo individual, mas a
multiplicação abundante e difusa daquilo que hoje chamamos (em sentido completamente
distinto) de “coletivo”, usando a palavra como substantivo e não como adjetivo.
Há um constrangimento muito forte, hoje em dia, em se estabelecer posições
singulares, mas de grande abrangência, que possam dizer respeito a todos, ou a
qualquer um. Como se isso fosse antidemocrático, de alguma forma. A questão é
complexa, mas há um equívoco aí que me parece muito lamentável.
I.G. – A celeuma acadêmica que “26 poetas hoje” causou na época de seu
lançamento hoje se converteu em uma aceitação pacífica: o livro já foi,
inclusive, indicado como leitura para vestibular (UFMG, 2008, por exemplo). É
possível dizer que o livro é um clássico? (“clássico” não no sentido de uma
obra estanque que jamais comporte novos olhares, mas sim de obra referencial
que ocupa um lugar dificilmente questionado).
M.S. – Sim, é uma obra de referência. As questões
que levanta e às quais se associa, entretanto, não estão fechadas. Não acho que
são “pacíficas”. O passado sempre pode ser relido. O que chamamos
“contemporâneo” vive, em boa medida, da discussão sobre seu passado imediato.
I.G. – A Companhia das Letras anunciou, recentemente, a publicação
de uma antologia de poesia “nos moldes de 26 poetas hoje”, que será organizada
por Adriana Calcanhotto. O que acha dessa iniciativa e de colocarem a artista
para organizá-la? A curta nota de O Globo deixa a entender que o critério será
cronológico (poetas nascidos entre 1973 e 1990) – o que não impede que outras
ideias guiem o trabalho de Calcanhotto. (A notícia de O Globo é essa: http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/os-poetas-da-calcanhotto.html).
M.S. – É difícil comentar alguma coisa que ainda
não existe. Mas acho que dá pra dizer que as duas antologias não têm muito a
ver uma com a outra. A relação que consigo enxergar é que 26 poetas hoje
se tornou conhecida depois de publicada e discutida, por ter inventado um conceito
histórico; já a fama da antologia da Co. das Letras precede a própria
antologia, o que evidencia que não estamos diante de um trabalho intelectual,
simplesmente, mas também de um produto de mercado. Nem é necessário dizer que a
comparação é excessiva, porque o paralelo entre uma antologia e outra
evidentemente já faz parte de uma estratégia publicitária.
Há muitas antologias de poesia contemporânea
brasileira sendo publicadas no Brasil e no exterior, em livros, em revistas. É
fácil notar como cada uma tem um recorte, uma ideia do que é a poesia, do que
deveria ser a poesia, do que deveríamos olhar quando lemos poesia. Recortes
podem ser apreciados, mas também precisam ser analisados.
De todo modo, é sempre bom ver uma antologia de
poesia no Brasil sendo publicada por uma grande editora. Grandes editoras
costumam ser arredias à publicação de poesia. Mas parece que, depois da
publicação das obras de Paulo Leminski e Ana Cristina Cesar, será preciso um
pouco mais de cinismo para repetir o refrão de que “poesia não vende”.
(Entrevista feita por Igor Gomes para reportagem
publicada no Suplemento Pernambuco,
em janeiro de 2017. Disponível em: http://www.suplementopernambuco.com.br/artigos/1762-26-poetas-hoje-e-o-papel-das-antologias.html).
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